PONTO DE VISTA – Para refletir
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES MACHADIANAS
Por: Maria do Socorro P. de Almeida
Observando a sociedade em geral e levando em conta os valores passados por essa e quão vulnerável é a capacidade humana de acreditar e ditar esses valores, percebe-se que acreditar em fatos é mais fácil que construir um pensamento em favor de um semelhante, principalmente quando estes pensamentos tende a quebrar conceitos e a retórica de uma sociedade, onde nascemos e nos criamos como "frutos", com sabor impregnado por esses valores.
Machado de Assis sempre teve uma maneira muito especial de criticar, tanto que alguns críticos ousam dizer que ele passou pelo abolicionismo despercebidamente, ou seja, não fazia parte do movimento, porque alguns de seus contemporâneos o achavam distante e solitário, Mas será que isso tem uma explicação.
Vemos a sociedade do século XXI e percebemos que ainda existe o preconceito contra negros e doentes, mulheres, homossexuais, entre outros, imaginem em pleno séc. XIX. Compreende-se o temor de Machado de ter, por exemplo, uma crise epilética em meio ao publico em geral ou na redação em que trabalhava, pois além de mestiço e pobre ainda era epilético.
A obra machadiana está impregnada de críticas e ironias ao comportamento dos indivíduos, encontramos várias críticas genialmente direcionadas à uma sociedade hipócrita e de valores deturpados, preocupada com o próprio umbigo. Machado, em seu percurso realista, na verdade, foi muito moderno, pois ali já deixava nas mãos do leitor, a reflexão sobre valores e fatos, como é o caso do comportamento do Barão de Santos que, em meio ao alvoroço apenas se preocupava com seu negócio, e da atitude do conselheiro Aires ao negar participação em movimento abolicionista quando, na realidade o autor da obra já havia participado, em praça pública, de um movimento. Na verdade dizer que Machado se isentou as questões da condição do negro, não deve ter lido contos como Pai contra mãe, por exemplo. Percebe-se a presença forte da linguagem mordaz machadiana em frases como: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis” e toda ironia que permeia a obra de Quincas Borba.
Nas suas crônicas, Machado também usava de ironia para com a hipocrisia que embasava a política de um modo geral como o caso em que um candidato estava escrito em três partidos diferentes, o liberal, o republicano e o conservador o que fez com que Machado escrevesse essas palavras: “Oh! Não mudeis de casa! Mudai de roupa! Mudai de fortuna, de amigos, de opinião, de criados. Mudai tudo, mas não mudeis de casa”!
Ao adentrar a obra machadiana, em especial, D. Casmurro, nos deparamos com valores criados e entranhados no indivíduo, dos quais não se desvencilha tão facilmente, principalmente quando a desconstrução desses valores implica idoneidade do indivíduo, ou seja, coloca sob suspeita, atitudes de membros de uma sociedade essencialmente patriarcal.
Machado, sutilmente e de forma genial, deixa seu ressentimento mulato fluir, colocando ideais valorizados, que, na verdade, podem estar equivocados se vistos com menos preconceito. Em D.Casmurro, Bentinho leva o leitor a julgar Capitu como adultera, embora em nenhum momento deixe claro essa atitude por parte da esposa. Machado mostra a tendência social de se acreditar no fato mesmo sem ser dito, só pela fácil aceitação de uma sociedade retoricamente machista que não é capaz de considerar, nem por um momento, a idéia de que o próprio Bentinho poderia ter criado essa situação através dos “mitos” que norteiam sua mente doentia e, patologicamente ciumenta, de ter usado seus artifícios de orador e defensor de causas como advogado que era, para convencer ao leitor, ou seja, a verossimilhança criada por Bentinho mais os valores incutidos no senso comum da sociedade vão conduzir o leitor ingênuo exatamente ao propósito do protagonista, a condenação de Capitu.
Um orador nato e advogado acostumado a usar argumentos de defesa pode criar situações e estratégias em seu favor, manipulando-os para o que lhe for conveniente. Dessa forma ninguém pode garantir se o ciúme de Bentinho era realmente de Capitu ou de Escobar, afinal eram amigos de anos atrás e tinham uma história de solidão, solidariedade e profunda amizade dentro do seminário, mas essa possibilidade também seria difícil ao senso social, a traição de Capitu seria a mais bem aceita por ser a mais conveniente aos brios machistas de uma sociedade conservadora e tirânica que faz justiça com as próprias mãos.
A estratégia narrativa usada genialmente por Machado nos leva a pensar até que ponto a verossimilhança pode ser realidade ou a imaginação. O artifício usado por Machado em D. Casmurro é o mesmo que ele usa em Ressurreição quando, levado pelo conceito que tinha de casamento e de fidelidade, Felix se deixa levar pela verossimilhança passada pela carta anônima escrita pelo seu rival, trazendo à tona mais, uma vez, o mito de Otelo e uma indagação à psicanálise. O fato de sua noiva ser viúva (já ter pertencido a outro), faz com que Felix imagine que ela está traindo o marido morto e por isso poderia traí-lo também.
Dessa forma, mais uma vez Machado mostra os conceitos sociais que produzem o preconceito e podem formar indivíduos doentios que acreditam no que a própria mente cria, baseada nos valores sociais, podendo prejudicar a própria vida como também as dos outros como acontece com os personagens citados nas citadas obras.