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segunda-feira, 28 de maio de 2012

O dicionário das empregadas domésticas


Por Urariano Motta*


Nos últimos dias, na gente mais educada causou espécie, para não dizer causou urticária, o livro didático “Por uma vida melhor”, que ensinaria a falar errado. No entanto, ninguém se levantou, nem perdeu a paz de espírito, quando um ilustre desembargador, faz alguns anos, achou por bem escrever um dicionário para as empregadas domésticas. É fato.

Atropelos e apelos de títulos não faltaram ao ilustre dicionarista. Erudito em Direito Civil, filiado à Associação Paulista dos Magistrados, escritor de verve, ele assim gracejou em artigo no jornal dos seus pares:

“Ele ligou para sua própria casa. A empregada era nova. Ele não a conhecia. Sua mulher, a Esther, digo (ou ele diz), dona Esther, tinha acabado de contratar. A moça era do norte. De Garanhuns. Nada contra, mas....sabe como é. Nós, brasileiros, sabemos! O patrão morava num sobrado. O telefone da residência ficava num nicho, embaixo da escada. No décimo segundo toque a Adamacena, a tal da empregada, atendeu: ‘Alonso!’ Na dúvida, o dono da casa perguntou: ‘De onde falam?’ Ao que a Adamacena respondeu: ‘Debaixo da escada!’ Foi aí que ele começou a catalogar as expressões da serviçal...”

Na continuação do texto, para melhor diálogo com as inferiores, o preclaro e excelso organizou este pequeno dicionário das empregadas, para ser lido pelas classes cultas, do gênero e classe dele no Brasil:

Denduforno - dentro do forno

Dôdistongo - dor de estômago

Doidimai - doido demais

Dôsitamu - dor de estômago

Gáscabô - o gás acabou

Iscodidente - escova de ente

Issokipómoiá - isto aqui pode molhar

Ládoncovim — lá de onde que eu vim

Lidialcom - litro de álcool

Lidileite - litro de leite

Mardufigo - mal do fígado

Mastumate - massa de tomate

Nossinhora - nossa senhora

Óikichero - olha que cheiro

Óiprocevê - olha pra você ver

Óiuchêro - olha o cheiro

Oncotô - onde que eu estou

Onquié - onde que é

Onquitá - onde está

Etc. etc. etc. poderia ser a leitura geral das “palavras” coligidas pelo senhor dicionarista. Se ele fosse um homem culto de facto, e não um culto de fato, fato da toga que um dia vestiu, saberia que as diversas falas de uma língua não significam uma superioridade cultural, civilizacional, de uma fala sobre a outra.Ora, as pessoas que vêm do interior do Nordeste, e é a elas que a sua brincadeira de mau gosto se referiu, os brutos migrantes dos sertões nordestinos carregavam, além da miséria, uma gramática que é uma história da língua. Quando eles dizem “figo”, em lugar de “fígado”, ou “hay”, em lugar de “há”, ou “in riba”, em lugar de “em cima”, ou mesmo “joga no mato”, por “deixa fora, joga fora”, essas palavras, esses modos e conteúdos de fala não nasceram de uma carne, sangue e lugar inferiores.

Esses cortes de sílabas, esse “denduforno” em lugar de “dentro do forno”, esse corte de fonemas na fala de todos os dias, essa aglutinação é um procedimento comum em todas as falas, do Norte ao Sul do mundo, do Leste ao Oeste do planeta, em todas as classes e gentes e tempos. Diz-se até que é uma obediência à lei do menor esforço. Quem é bom de ouvido sabe que a última sílaba de uma palavra em uma frase não se ouve, adivinha-se pelo sentido. Um “Como vai de saúde?”, sai quase como um “Como vai de saú?”. Se os ingleses transformam consoantes de palavras em vogais, bravo, isso é mesmo um fenômeno linguístico. Se os norte-americanos pegam os tês e põem em seu lugar erres, isso só pode mesmo ser inglês moderno. Bravo.

No Brasil, na região que move a economia, quando um paulista insiste em pronunciar “record” à inglesa, mas com erres à brasileira, ou quando pronuncia “meni”, em lugar de “menu”, está apenas no exercício da sua cultura poliglota. Aplausos. Quando ele, no bar, pede um só, mas ainda assim pede “um chopes”, é uma graça. Viva. Mas um “oxente”, um “arretado”, que traem e trazem a marca da fala de nordestinos, desses baianos, desses nortistas, ah, isto só pode mesmo ser uma prova insofismável de subdesenvolvimento.

Isso comentamos à margem, do texto do léxico das empregadas e da grande mídia. Mas o pequeno dicionário para as empregadinhas não sofreu qualquer indignação patriótica, lembramos bem. Faz sentido, enfim. Como dizia Marx, ao lembrar as diferentes traduções de classe, os proletários se embriagam no bar, os burgueses vão ao club.

*Urariano Motta é pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.

O Estado de São Paulo, 27/05/2012

Disp.em: http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-dicionario-das-empregadas-domesticas

O Estado de São Paulo, 27/05/2012



Somos todos Chico Bento


Sírio Possenti em 25/05/2012

SÍRIO POSSENTI É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA / INSTITUTO DE ESTUDOS , DA LINGUAGEM DA UNICAMP, AUTOR DE , QUESTÕES PARA ANALISTAS DE DISCURSO , E A LÍNGUA NA MÍDIA (PARÁBOLA)


Mauricio de Sousa entrou na campanha "Veta, Dilma!". Chamou seus personagens para engrossar o coro. Pôs na boca de Chico Bento um apelo: "...licença, Dona Dirma! A gente num intendi muito das coisa da lei mais intendi das nossa necessidade! I nóis percisa das mata, dos rio, dos pexe... E tá todo mundo achando que isso vai sê mexido pra pior! A sinhora podia ajudá pra isso num acontecê? Nossa gente vai agardecê por toda a vida! Eu juro!"

Não vou discutir a questão ambiental, mas a representação dessa fala. Construções como das mata, dos rio, das coisa são traços sintáticos da fala popular. Mas pexe, intendi, sinhora, ajudá, acontecê, e mesmo i nóis e num são soluções discutíveis.

Não é que Chico Bento não fale assim. A questão é que praticamente todos falamos assim. O alçamento de "es" átonos é comum, e a queda dos "erres" de infinitivos e das semivogais (pexe) é quase categórica - na fala. Além disso, a solução é irregular. Por que não genti, nece(i)ssidadi, mixidu, achano e pió?

A tradição literária representou em itálico certas marcas de falas regionais (tá, dotô). Poucas e bem características, quase estereotípicas. Nada contra dona Dirma, de Chico Bento, e tluque, de Cebolinha. Talvez percisa e agardecê sejam aceitáveis.

O que não é aceitável é aplicar grafias erradas apenas à fala de Chico Bento. Fazendo isso, insiste-se na tese errada de que só os grupos que ele representa falam assim. Ora, muitas marcas da fala de Chico Bento são comuns a todos, mesmo aos cultos.

Se o leitor duvida, ouça programas cultos (Roda Viva, Painel, Entre Aspas, e mesmo julgamentos do Supremo, com especial atenção para os apartes). Nos jornais das TVs, descobrirá que, lendo, os apresentadores dizem vai ver, conhecer, se entregou, ajudou, pegou, a seguir, etc. Mas, falando entre si ou com repórteres, dizem chegô (chegou), pidí (pedir), é tê (é ter), pras pessoas (para as pessoas), se tê (se ter), pra que o (para que o). O que é normal.

Escrevemos bom, tomate, algo, pouco, vou, lavar, vender, partir, mas falamos bõw, tomate / tomati / tumati / tomatchi, poco, vô, lavá, vendê, partí. Os franceses escrevem roi e falam ruá, os ingleses escrevem enough e falam inâf, os italianos escrevem figlio e falam filio, os falantes de espanhol escrevem calle e falam caje, caxe, caye, calhe.

Escritas ortográficas não representam pronúncias ou sotaques. Sua função é ser um código, comum a um povo, ou a vários, em boa medida independente da pronúncia real. Funciona como representação unitária da língua, que os fatos insistem em mostrar que não é uniforme.

Deveria ser óbvio. É o que aprendemos nas primeiras séries. Mas insistimos em achar que "nós" falamos como se escreve, que só os outros falam "errado". Logo, a fala errada deles deve ser mostrada (ridicularizada?). E a maneira mais eficaz é escrever errado (só) o que eles falam.

TVs fazem isso com frequência. Entrevistando pobres ou transcrevendo grampos, exibem palavras em itálico ou entre aspas. E tratam da mesma forma eventuais nós vai e muitos fazê, pegá, poco.

O campeão dessa escrita é Mauricio de Sousa. As falas de suas personagens são transcritas ortograficamente. Exceto a de Chico Bento (e de Cebolinha, mas com outro efeito). Assim, faz entender que os outros falam como se escreve. Diriam "Será que o senhor pode me ajudar", "Não consegue descer", "Este vestido vai ficar legal? (não ajudá, descê, ficá legau)" etc.

Veja-se este exemplo: Cebolinha diz: "Agola vou fazer o tluque de despalecer com este seu vaso chinês". Segundo tal representação, pensaríamos que Cebolinha é um sofisticado intelectual: sua fala é infantil, mas erudita (desaparecer com, este seu vaso), com todos os rr. Só faltou um farei. Já Chico Bento...

Haveria uma solução? A óbvia. Qualquer que seja a pronúncia, a escrita ortográfica é uma só. Logo, Chico Bento deveria ser tratado normalmente. O que ele diz, independentemente da pronúncia, se escreveria "A gente não entende muito", "E nós", "isso vai ser mexido para pior", etc. Concedo que Dirma pode funcionar como tluque, mas não as outras opções.

É uma tese politicamente correta? Isso é o menos importante. O fundamental é que Mauricio de Sousa, e quase todos, deveriam ter aprendido o que é ortografia. É uma questão de cultura elementar, de preparo intelectual que permitia compreender as diferenças entre fala e escrita e que a língua falada culta é, em numerosos casos, igual à dos menos letrados. Se os "sábios" soubessem disso, o fato contaria a favor do "povo". Sem qualquer condescendência. Seu capital linguístico é mais legítimo do que se quer.

A fala de Chico Bento expressa posição política sobre o Código Florestal. É a posição de Mauricio de Sousa. Temo que seu conhecimento sobre a questão seja do naipe do que revela sobre língua e escrita...

sábado, 26 de maio de 2012

Filosofando

Hoje estou meio pachorrenta e resolvi filosofar ahahahah!!


Meus queridos leitores e leitoras, para se chegar à outra margem do rio é preciso atravessá-lo, os braços remam, mas é a cabeça que mostra a direção a ser seguida e os olhos são os que contemplam o "caminho" e esse é o (X) da questão!! Cherão!!!

e para refletir melhor, algumas frases de "efeito" ahahah!!

Tentar e falhar é, pelo menos, aprender. Não chegar a tentar é sofrer a inestimável perda d...o que poderia ter sido. (Geraldo Eustáquio)


É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca. (D. Helder Câmara)

O único homem que nunca comete erros é aquele que nunca faz coisa alguma. Não tenha medo de errar, pois você aprenderá a não cometer duas vezes o mesmo erro. (Roosevelt)Ver mais

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Lições através dos pensamentos de Mário Quintana

Confesso que, depois de alguns aborrecimentos noturnos, acordei assim...assim... e comecei a vaguear pela internet, talvez a procura de algo que me refizesse a alma fragmentada e encontrei esse tesouro literário de Mário Quintana, que soube, de forma genial, colocar em poemas e palavras o "ser", o mundo e o tempo ah!....

A amizade é um amor que nunca morre.

A poesia não se entrega a quem a define.

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.


DA FELICIDADE

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!
DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

terça-feira, 1 de maio de 2012

Luto da Família Silva

Essa crônica foi escrita em 1935, mas poderia ter sido escrita hoje.  Na realidade o Brasil de ontem não mudou muita coisa em relação ao de hoje, a não ser a forma de agir daqueles que sempre tentaram tirar alguma vantagem dos "Silva"

Luto da Família Silva


Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava morto. O cadáver foi removido para o

necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos" do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva.
Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise. João da Silva - Neste momento em que seu corpo vai
baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os Joões da Silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias casas e em várias cidades.

Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome “de Tal". A família Silva e a família “de Tal" são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família.

Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva.

João da Silva - Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho - vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens
importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, na mata, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.

Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum

da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política...

(BRAGA, Rubem. Luto da família Silva. In: Para gostar de ler. 4. Ed. São Paulo, Ática: 1984.)