J.G. de Araujo Jorge ou José Guilherme de Araujo Jorge foi, desde sempre ligado aos assuntos sociais e políticos do Brasil. Ainda quando estudante lutava contra as idéias facistas, foi perseguido e preso durante o “Estado novo” por ir de encontro ao regime da época. Foi locutor e redator de programas radiofônicos, atuando nas Rádios Nacional, Cruzeiro do Sul, Tupi e Eldorado. Em 1965, era professor de História e Literatura, do Colégio Pedro II. Jorge descende de uma família que lhe influenciou político e poeticamente. Era sobrinho do embaixador Artur Guimarães de Araújo Jorge (autor de inúmeras obras sobre Filosofia, História e Diplomacia), sobrinho neto de Adriano de Araujo Jorge, médico, escritor, grande orador, foi presidente perpétuo da Academia Amazonense de Letras, e do professor Afrânio de Araujo Jorge, fundador do Ginásio Alagoano, de Maceió
Jorge ficou conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes, dramático. Foi um dos poetas mais lidos, e talvez por isto mesmo, o mais combatido do Brasil. Faleceu em 27 de Janeiro de 1987.
Nos deleitemos com alguns dos seus poemas:
Missão
Meus versos terão cumprido a sua missão
se puderem ser pedra e areia
servirem de barricada.
Se puderem ser o hino, quando o desânimo
se levantar como a poeira dos escombros.
Se puderem permanecer no alto, como a bandeira
rasgada e irreconhecível, mas tremulando.
Terão cumprido a sua missão
se na hora em que precisarem deles
não negarem fogo como a boa arma,
se outros puderem ouvi-lo, como o esperanto,
depois da vitória do homem e da vitória do povo.
(Poesia de JG de Araujo Jorge do livro Estrela da terra - 1947)
Esperança
Não! A gente não morre quando quer,
Inda quando as tristezas nos consomem.
Há sempre luz no olhar de uma mulher
E sangue oculto na intenção de um homem.
Mesmo que o tempo seja apenas dor
E da desilusão se fique prisioneiro.
Vai-se um amor? Depois vem outro amor
Talvez maior do que o primeiro.
Sonho que se afogou na baixa-mar,
De novo há de erguer, cheio de fé,
Que mesmo sem ninguém o suspeitar,
Volta a encher a maré.
Não penses que jamais hás de achar fundo
Nem que entre as tuas mãos não terás outra mão.
Pode a vida matar o sonho e o sol e o mundo,
Mas não nos mata o coração.
(extraído do livro Concerto a 4 mãos - de JG de Araujo Jorge - 1959 )
A Viagem ( J. G. de Araujo Jorge)
Não vamos fazer planos, vamos apenas viajar
neste barco que nos recolheu
e cujo rumo não sabemos...
Não vamos fazer planos, vamos olhar as gaivotas,
os crepúsculos sobre o mar,
as ondas, as nuvens, os portos que amanhecerão,
agradecer ao destino que nos fez passageiros
do mesmo sonho.
Não vamos fazer planos, não vamos matar as nossas alegrias
modificando roteiros, se não sou o comandante do navio,
se ninguém é,
não vamos matar as nossas alegrias
com itinerários antecipados
como se fossemos turistas ricos
apenas gastando o seu tédio...
Não vamos fazer planos, vamos nos deixar levar
ao sabor das correntes,
vamos agradecer essa viagem como se fosse a primeira
como se fosse a última,
como se fosse aquela viagem há tanto tempo esperada,
que inacreditavelmente se tornasse
realidade...
E o porto onde chegarmos, - qualquer que seja o porto
ou o horizonte de mar que sempre se afastará,
serão o porto e o horizonte
da felicidade...
( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro
"Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"
Vol. IV - 1a edição 1965 )
Orgulho e renúncia
Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor...
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior...
Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu...
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!
Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia Ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim...
Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!
Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, - quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim...
Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
- não tens culpa se te amo... se me iludo,
se a vida para mim é que foi má...
Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga...
Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
- pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for...
Pensa que tudo foi uma tolice...
Só mais tarde, bem sei, - compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor... que não direi jamais!
( Poema de JG de Araujo Jorge, do livro " AMO ", 1938 )
Variações sobre um tema banal
I
Não te esqueças que a vida é um momento que voa
um efêmero instante de beleza e alento;
vive pois sem temor e com desprendimento
o que ela te ofertar, sem maldize-la à-toa!
E' uma nuvem que muda aos caprichos do vento!
Se hoje a perdes... O tempo nunca te perdoa!
Vida! Repara bem como a palavra soa!
Não temas pronunciá-la com deslumbramento!
Há alguém, não sei quem é, mas disto estou seguro,
que nos há de intimar num remoto futuro
a dar contas da vida que um dia ganhamos...
E após tal julgamento estranho, com certeza
havemos de sofrer e pagar, se em defesa
não der-mos as razões porque a desperdiçamos...
II
O que a vida te der, seja migalha embora,
se é migalha de amor, de prazer, de alegria,
- colhe-a! que esta migalha é o pão de cada dia,
e há de um dia chorar quem hoje a jogar fora!
Quem muito quer, despreza o pouco, sempre chora,
ou quem indiferente segue, de alma fria,
há de um dia parar e há de lembrar-se um dia
do clarão que se foi numa longínqua aurora!
Então, nada haverá... nem mais frutos nos ramos
nem migalhas de amor - se outrora as desprezados,-
e a indiferença de ontem sofre arrependida...
E ante a sombra que vem velar nosso desgosto
procuramos em vão uma aurora perdida
na luz que desespera e morre num sol-posto!
III
Hás de te arrepender sempre tarde demais
dos momentos de amor ou de puro prazer
que com medo talvez, não quiseste colher
e ficaram em branco ... inúteis, para trás ...
Vive com todo o ardor de que fores capaz
e a essa paixão entrega, em êxtase, teu Ser.
Ah! bem pior do que a dor vivida, podes crer,
é a dor de não poder vivê-la nunca mais!
Não receies sofrer, que é vida o sofrimento.
Receia, e com razão - cada dia perdido
sem que o amor te arrebate ou te perca um momento.
De nada há de servir-te o desespero teu,
pois mais vale chorar o amor que foi vivido
que lastimar o amor que um dia se perdeu!
IV
Quantas vezes já ouvi dizer amargamente
quando a noite do tempo chegou sem alarde:
"só agora depois que o coração não arde,
não arde o coração... e a alma já não sente...
vejo, quanto perdi, irremediavelmente,
por ter sido na vida, um tímido, um covarde!
Ah! se pudesse ser o que fui, novamente!"
Quantas vezes já ouvi dizer... mas muito tarde...
Sofrimento absurdo esse arrependimento
de tudo ter podido alcançar num momento
e tudo ter perdido sem erguer a mão...
E abatido ir sentido a invasão desse tédio
Que vai enregelando aos poucos, sem remédio:
a alma, o sonho, a esperança, a vida, o coração!
V
Antes se arrepender do que se fez um dia
por sincero prazer pondo tudo de lado,
do que o arrependimento de se ter deixado
de fazer, por temor... - se o coração pedia.
Se colheste a emoção com intensa alegria
e se foste feliz e marcaste o passado,
bendiz esse segundo ou essa hora, - esse dia
em que o mundo foi teu, vencido e conquistado...
A vida é uma aventura e é preciso vivê-la!
Nada há que justifique uma abstinência ao mundo,
- ergue a mão para o céu e colhe a tua estrela!
E' a hora do Natal... A estrela é o teu presente!
Mesmo que ela cintile apenas um segundo,
contigo hás de levá-la indefinidamente...
VI
Escreve com teu sangue o teu próprio romance
enche-o com teu amor, misto de sonho e vinho,
mais vale ter no peito enterrado um espinho
depois - que a solidão até onde a vista alcance...
Sofrimento é afinal perceber, de relance,
que já estamos ao fim de um imenso caminho
e que tudo que esteve um dia ao nosso alcance
passou... E olhar em torno, e se sentir sozinho...
Não, não tentes voltar, porque a vida não volta...
Jogarás contra o vento a angústia e o desespero
e em espumas verás tua inútil revolta. . .
Vive, pois... E se assim te falo, e isso te digo,
é que poderás ver no instante derradeiro
que se a vida foi vã a memória é um castigo!
( Poema de JG de Araujo Jorge
in " Concerto a 4 Mãos" - 1961 )
As Chaves
Felizes os homens que tem as chaves
porque só encontram portas abertas...
Como podem tantos homens dormir sossegados e felizes
de portas fechadas,
quando essas portas se fecham para tantos homens
que ficam sempre ao relento
e nunca podem entrar?
Neste mundo de tantas portas,
quando teremos cada um, a sua chave,
e a sua hora de voltar?...
(1944)
(Poesia de JG de Araújo Jorge, extraída
do livro " Mensagem" - 1966)
Liberdade
A liberdade é o meu clarim de guerra
e eu sou, no meu viver amplo e sem véus,
como os caminhos soltos pela terra,
como os pássaros livres pelos céus.
Ela é o sol dos caminhos ! Ela é o ar
que os enche os pulmões, é o movimento,
traz num corpo irrequieto como o mar
uma alma errante e boêmia como o vento.
Minha crença, meu Deus, minha bandeira,
razão mesma de ser do meu destino,
há de ser a palavra derradeira
que há de aflorar-me aos lábios como um hino.
Liberdade: Alavanca de montanhas!
Aureolada de louros ou de espinhos
há de cingir-me a fronte nas campanhas,
há de ferir-me os pés pelos caminhos.
Sinto-a viva em meu sangue palpitando
seja utopia ou seja ideal, - que importa?
Quero viver por esse ideal lutando,
quero morrer se essa utopia é morta !
(Poesia de JG de Araujo Jorge
do livro O Canto da Terra – 1945)
Vermelho e branco
O sangue vermelho
do homem branco,
do homem prêto,
do homem amarelo,
o sangue é vermelho,
é um sangue só.
O leite branco
da mulher branca,
da mulher prêta,
da mulher amarela,
o leite é branco,
é um leite só.
Deus pôs por dentro de homens
e mulheres
de aparências tão diferentes,
uma humanidade só:
- o mesmo anseio, a mesma fome,
o mesmo sonho, o mesmo pó;
o mesmo sangue vermelho,
da côr da vida, da côr
do amor, e mais:
o mesmo leite branco,
da côr da paz.
(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro – Mensagem – 1966
Minha biblioteca
Pátria e lar do pensamento,
porto do coração.
Minha loja de sonhos, mercado de emoções
onde faço pelas madrugadas a minha "feira"
para reabastecer meu espírito de realidades e ficções
e sobreviver.
Aí estão as prateleiras sortidas, estoques inesgotáveis
de fantasias a experiências
para a minha fome de conhecimentos, minha sede
de descobertas,
minhas ânsias de beleza.
É só estender a mão e colher o livro
como um fruto maduro que lentamente degusto
e, milagrosamente,
permanece inteiro, íntegro, intacto
entre folhas e flores
e surpreendentemente se renova e multiplica
em inusitados sabores.
Minha biblioteca
parque de papel e palavras
onde me perco em andanças e onde me reencontro
em tantos caminhos desconhecidos,
bosque de tantos livros, como as árvores
com quem Beethoven conversava
em seu bosque de Bonn.
Meus livros, companheiros pacientes e silenciosos
com quem dialogo horas sem conta,
que não discutem, não alteiam a voz
em tantas discordâncias inevitáveis,
e humildemente se fecham e se recolhem
a um simples gesto meu de impaciência, cansaço
ou de sono.
Minha biblioteca,
abrigo certo
oásis de águas e sombras
no imenso deserto,
que me faz decolar de tantas realidades
e planar como uma asa-delta
sozinho, sobre paisagens insuspeitadas.
Minha biblioteca,
pousada no caminho
onde me sento, a pensar,
e onde chego a esquecer que há um mundo
rosnando ameaças ao redor,
e adormeço como um menino feliz..
(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro "Tempo Será" – 1986 )