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sábado, 28 de janeiro de 2012

PENSAMENTOS ( Socorro Almeida)

PENSAMENTOS



Às vezes me pergunto o porquê do nosso corre-corre.
A vida do homem moderno se transformou em uma corrida atrás do “ouro”. Ouro esse, que tem seu sentido nas mais diversas formas.
É interessante pensar que nunca queremos parar...
E de repente paramos, mesmo sem querer ou esperar.
Mesmo sem ter completado nossas ações ou realizado o que aspiramos.
Isso me lembra uma frase de José Saramago: “Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais”.
Sem deixar-me guiar pela metafísica, mas, inevitavelmente já o fazendo, trago à baila, a intolerância que assolou o mundo contemporâneo e a reificação do homem em relação ao seu semelhante.
Esses pensamentos trazem questionamentos, aos quais não consigo dar respostas: o que buscamos na verdade, com essa velocidade desenfreada, às vezes rumo ao “nada”? Até que ponto nos mostramos dispostos a renunciar alguma coisa em prol do bem-estar do outro? Em que momento paramos para refletir nossos pensamentos ou ações? É a condição de infinitude humana que nos cega na busca dos nossos objetivos ou são os nossos lampejos de racionalidade e unicidade que nos conduz à cegueira ?
Questionamentos como esses nos levam até Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa): “A felicidade é sempre mais ou menos do que nós queremos”.
Em outro momento Pessoa afirma que o homem que não sonha, que não busca, é apenas “um cadáver adiado que procria”.
Concordo com os dois!
Com o primeiro por fazer uma constatação da essência humana. E com o segundo, por imaginar que precisamos sempre de uma meta, de um sonho, de um ideal, de algo que nos torne melhores.
Mas esse algo não deve ser simplesmente o bem material.
Muito menos, para obter algo que aspiramos devemos passar por cima do nosso semelhante, humilhar ou ignorar o outro por nos encontrarmos, em algumas situações, numa posição privilegiada.
São inúmeras indagações e argumentos que nos remetem a outros pensamentos: Florbela diz que ser poeta é “Morder como quem beija”. Esse ato pode não ser ósculo de sentir, mas a verdade dita sutil e docemente. Ao lado de Drumonnd vejo o mundo, “Mundo, mundo, vasto mundo” e Shimidt me diz que “Cada um existe uma vez só e não é substituído”.
Por outro lado, o mestre Gibran diz que “dar não é partilhar o que tem, mas dar de si para o outro”, em cuja frase percebo que se pode encaixar o professor, por achar que é um ser que se doa, que dá de si, dos seus conhecimentos para formação de outrem.
Então, Fernando Pessoa ajuda-me a perceber que “Baste o que basta o bastante de lhe bastar, a vida é curta e a alma é vasta” e eu finalizo a
fala de Pessoa dizendo: Ser é sonhar/Sonhar é querer/Querer é saber/Saber é pensar/Pensar é viver/Viver é amar intransitivamente...
Por: Maria do Socorro Pereira de Almeida, disponível em:

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Somos filhos da Mãe Terra - Pedro Munhoz

- A Música no viés da ecocrítica

Essa música além de muito bonita é também uma tentativa de conscientização de que somos parte dessa natureza que nos rodeia e não donos dela. Que não podemos nos apropriar do meio ambiente e sim conttribuir para uma vida saudável para todos que habitam o planeta.

Música: Somos filhos da Mãe Terra
CD: Dez Canções Urgentes
Autor: Pedro Munhoz


O planeta é uma nave,
cintilante, com certeza,
azul na delicadeza,
linda esta espaçonave.
Feito vôo de uma ave,
buscando o alto da serra,
gira em torno e tudo gera,
sem precisar de motor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Milhões e milhões de anos,
nos ensina a natureza
e com rápida destreza,
destruindo tudo estamos.
Contradição dos humanos,
aprende aquele que erra,
maduro aquele que espera,
só quem sofre, dá valor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Buscar a simplicidade
pra resolver os problemas,
terminando os dilemas
que atormentam a humanidade.
Chega de tanta maldade,
cansamos de tantas guerras,
o dinheiro mata e enterra,
o pobre, o trabalhador.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

O que dizer então, da água,
a fonte de toda a vida,
em garrafa, ingerida,
só bebe aquele que paga.
E onde tudo se alaga,
toda a gente desespera,
o clima, a atmosfera,
inverte o frio e o calor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Não se contam mais histórias,
não se namora na praça,
não tem moça na vidraça,
perdemos toda a memória.
A poesia inglória,
que vivemos nesta era,
mecaniza, dilacera,
lá se foi um sonhador.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

São os pólos degelando,
é a camada de ozônio,
efeito estufa, demônios,
é o fim que vem chegando.
Tudo, tudo terminando,
o ronco da moto-serra,
quanto menos se coopera,
muito mais destruidor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Rua mal iluminada,
buraco sem pavimento,
pobreza, areia, cimento,
são favelas penduradas.
Crianças assassinadas,
o futuro alí encerra,
violência prolifera,
vida não rima com a dôr.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

O planeta poluido,
tudo em nome do mercado,
o globo globalizado,
há tempos instituido.
Vivemos embrutecidos,
enjaulados, somos feras,
liberdade é quimera,
na lei do explorador.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Adonaram-se das mentes,
botaram marca no mundo,
trangenicamente tudo,
envenenaram sementes.
Fizeram com toda a gente
o que nunca se fizera,
não por coincidência mera,
nos chamam, consumidor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

É a tal chuva de prata,
fumaça pra todo o lado,
chumbo, estrôncio misturado,
 que vidinha mais ingrata.
A doença se desata,
saúde não recupera,
longas filas de espera,
sem hospital e doutor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Rádio, tv e jornal,
tudo tem o mesmo dono,
a mentira ganha entono,
na noticia parcial.
Senhor do bem e do mal,
o sistema então, opera,
a mudança nada altera,
eleição e eleitor.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

Finalizando senhores,
sem querer a ferro e fogo,
o que está mesmo em jogo,
é a bolsa de valores.
Grandes especuladores,
onde o capital prospera,
é o imperio quem lidera,
este circo de horror.
Somos parte sim senhor,
somos filhos da mãe terra.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

25 anos sem o poeta J G de Araujo Jorge Pub. em 23/01/2012

J.G. de Araujo Jorge ou José Guilherme de Araujo Jorge foi, desde sempre ligado aos assuntos sociais e políticos do Brasil. Ainda quando estudante lutava contra as idéias facistas, foi perseguido e preso durante o “Estado novo” por ir de encontro ao regime da época. Foi locutor e redator de programas radiofônicos, atuando nas Rádios Nacional, Cruzeiro do Sul, Tupi e Eldorado. Em 1965, era professor de História e Literatura, do Colégio Pedro II. Jorge descende de uma família que lhe influenciou político e poeticamente. Era sobrinho do embaixador Artur Guimarães de Araújo Jorge (autor de inúmeras obras sobre Filosofia, História e Diplomacia), sobrinho neto de Adriano de Araujo Jorge, médico, escritor, grande orador, foi presidente perpétuo da Academia Amazonense de Letras, e do professor Afrânio de Araujo Jorge, fundador do Ginásio Alagoano, de Maceió


Jorge ficou conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes, dramático. Foi um dos poetas mais lidos, e talvez por isto mesmo, o mais combatido do Brasil. Faleceu em 27 de Janeiro de 1987.
Nos deleitemos com alguns dos seus poemas:

Missão

Meus versos terão cumprido a sua missão
se puderem ser pedra e areia
servirem de barricada.
Se puderem ser o hino, quando o desânimo
se levantar como a poeira dos escombros.
Se puderem permanecer no alto, como a bandeira
rasgada e irreconhecível, mas tremulando.
Terão cumprido a sua missão
se na hora em que precisarem deles
não negarem fogo como a boa arma,
se outros puderem ouvi-lo, como o esperanto,
depois da vitória do homem e da vitória do povo.
(Poesia de JG de Araujo Jorge do livro Estrela da terra - 1947)


Esperança

Não! A gente não morre quando quer,
Inda quando as tristezas nos consomem.
Há sempre luz no olhar de uma mulher
E sangue oculto na intenção de um homem.
Mesmo que o tempo seja apenas dor
E da desilusão se fique prisioneiro.
Vai-se um amor? Depois vem outro amor
Talvez maior do que o primeiro.
Sonho que se afogou na baixa-mar,
De novo há de erguer, cheio de fé,
Que mesmo sem ninguém o suspeitar,
Volta a encher a maré.
Não penses que jamais hás de achar fundo
Nem que entre as tuas mãos não terás outra mão.
Pode a vida matar o sonho e o sol e o mundo,
Mas não nos mata o coração.
(extraído do livro Concerto a 4 mãos - de JG de Araujo Jorge - 1959 )

A Viagem ( J. G. de Araujo Jorge)

Não vamos fazer planos, vamos apenas viajar
neste barco que nos recolheu
e cujo rumo não sabemos...
Não vamos fazer planos, vamos olhar as gaivotas,
os crepúsculos sobre o mar,
as ondas, as nuvens, os portos que amanhecerão,
agradecer ao destino que nos fez passageiros
do mesmo sonho.
Não vamos fazer planos, não vamos matar as nossas alegrias
modificando roteiros, se não sou o comandante do navio,
se ninguém é,
não vamos matar as nossas alegrias
com itinerários antecipados
como se fossemos turistas ricos
apenas gastando o seu tédio...
Não vamos fazer planos, vamos nos deixar levar
ao sabor das correntes,
vamos agradecer essa viagem como se fosse a primeira
como se fosse a última,
como se fosse aquela viagem há tanto tempo esperada,
que inacreditavelmente se tornasse
realidade...
E o porto onde chegarmos, - qualquer que seja o porto
ou o horizonte de mar que sempre se afastará,
serão o porto e o horizonte
da felicidade...
( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro
"Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"
Vol. IV - 1a edição 1965 )

Orgulho e renúncia

Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor...
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior...

Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu...
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!

Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia Ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim...
Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!

Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!
Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, - quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim...
Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
- não tens culpa se te amo... se me iludo,
se a vida para mim é que foi má...

Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga...
Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
- pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for...
Pensa que tudo foi uma tolice...
Só mais tarde, bem sei, - compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor... que não direi jamais!
( Poema de JG de Araujo Jorge, do livro " AMO ", 1938 )



Variações sobre um tema banal
I
Não te esqueças que a vida é um momento que voa
um efêmero instante de beleza e alento;
vive pois sem temor e com desprendimento
o que ela te ofertar, sem maldize-la à-toa!
E' uma nuvem que muda aos caprichos do vento!
Se hoje a perdes... O tempo nunca te perdoa!

Vida! Repara bem como a palavra soa!
Não temas pronunciá-la com deslumbramento!
Há alguém, não sei quem é, mas disto estou seguro,
que nos há de intimar num remoto futuro
a dar contas da vida que um dia ganhamos...
E após tal julgamento estranho, com certeza
havemos de sofrer e pagar, se em defesa
não der-mos as razões porque a desperdiçamos...

II

O que a vida te der, seja migalha embora,
se é migalha de amor, de prazer, de alegria,
- colhe-a! que esta migalha é o pão de cada dia,
e há de um dia chorar quem hoje a jogar fora!
Quem muito quer, despreza o pouco, sempre chora,
ou quem indiferente segue, de alma fria,
há de um dia parar e há de lembrar-se um dia
do clarão que se foi numa longínqua aurora!

Então, nada haverá... nem mais frutos nos ramos
nem migalhas de amor - se outrora as desprezados,-
e a indiferença de ontem sofre arrependida...
E ante a sombra que vem velar nosso desgosto
procuramos em vão uma aurora perdida
na luz que desespera e morre num sol-posto!

III

Hás de te arrepender sempre tarde demais
dos momentos de amor ou de puro prazer
que com medo talvez, não quiseste colher
e ficaram em branco ... inúteis, para trás ...
Vive com todo o ardor de que fores capaz
e a essa paixão entrega, em êxtase, teu Ser.
Ah! bem pior do que a dor vivida, podes crer,
é a dor de não poder vivê-la nunca mais!

Não receies sofrer, que é vida o sofrimento.
Receia, e com razão - cada dia perdido
sem que o amor te arrebate ou te perca um momento.
De nada há de servir-te o desespero teu,
pois mais vale chorar o amor que foi vivido
que lastimar o amor que um dia se perdeu!

IV
Quantas vezes já ouvi dizer amargamente
quando a noite do tempo chegou sem alarde:
"só agora depois que o coração não arde,
não arde o coração... e a alma já não sente...
 vejo, quanto perdi, irremediavelmente,
por ter sido na vida, um tímido, um covarde!
Ah! se pudesse ser o que fui, novamente!"

Quantas vezes já ouvi dizer... mas muito tarde...
Sofrimento absurdo esse arrependimento
de tudo ter podido alcançar num momento
e tudo ter perdido sem erguer a mão...
E abatido ir sentido a invasão desse tédio
Que vai enregelando aos poucos, sem remédio:
a alma, o sonho, a esperança, a vida, o coração!
V

Antes se arrepender do que se fez um dia
por sincero prazer pondo tudo de lado,
do que o arrependimento de se ter deixado
de fazer, por temor... - se o coração pedia.
Se colheste a emoção com intensa alegria
e se foste feliz e marcaste o passado,
bendiz esse segundo ou essa hora, - esse dia
em que o mundo foi teu, vencido e conquistado...
A vida é uma aventura e é preciso vivê-la!
Nada há que justifique uma abstinência ao mundo,
- ergue a mão para o céu e colhe a tua estrela!
E' a hora do Natal... A estrela é o teu presente!
Mesmo que ela cintile apenas um segundo,
contigo hás de levá-la indefinidamente...

VI
Escreve com teu sangue o teu próprio romance
enche-o com teu amor, misto de sonho e vinho,
mais vale ter no peito enterrado um espinho
depois - que a solidão até onde a vista alcance...
Sofrimento é afinal perceber, de relance,
que já estamos ao fim de um imenso caminho
e que tudo que esteve um dia ao nosso alcance
passou... E olhar em torno, e se sentir sozinho...
Não, não tentes voltar, porque a vida não volta...
Jogarás contra o vento a angústia e o desespero
e em espumas verás tua inútil revolta. . .

Vive, pois... E se assim te falo, e isso te digo,
é que poderás ver no instante derradeiro
que se a vida foi vã a memória é um castigo!
( Poema de JG de Araujo Jorge
in " Concerto a 4 Mãos" - 1961 )

As Chaves

Felizes os homens que tem as chaves
porque só encontram portas abertas...
Como podem tantos homens dormir sossegados e felizes
de portas fechadas,
quando essas portas se fecham para tantos homens
que ficam sempre ao relento
e nunca podem entrar?
Neste mundo de tantas portas,
quando teremos cada um, a sua chave,
e a sua hora de voltar?...
(1944)
(Poesia de JG de Araújo Jorge, extraída
do livro " Mensagem" - 1966)


Liberdade

A liberdade é o meu clarim de guerra
e eu sou, no meu viver amplo e sem véus,
como os caminhos soltos pela terra,
como os pássaros livres pelos céus.
Ela é o sol dos caminhos ! Ela é o ar
que os enche os pulmões, é o movimento,
traz num corpo irrequieto como o mar
uma alma errante e boêmia como o vento.
Minha crença, meu Deus, minha bandeira,
razão mesma de ser do meu destino,
há de ser a palavra derradeira
que há de aflorar-me aos lábios como um hino.
Liberdade: Alavanca de montanhas!
Aureolada de louros ou de espinhos
há de cingir-me a fronte nas campanhas,
há de ferir-me os pés pelos caminhos.
Sinto-a viva em meu sangue palpitando
seja utopia ou seja ideal, - que importa?
Quero viver por esse ideal lutando,
quero morrer se essa utopia é morta !
(Poesia de JG de Araujo Jorge
do livro O Canto da Terra – 1945)


Vermelho e branco

O sangue vermelho
do homem branco,
do homem prêto,
do homem amarelo,
o sangue é vermelho,
é um sangue só.
O leite branco
da mulher branca,
da mulher prêta,
da mulher amarela,
o leite é branco,
é um leite só.
Deus pôs por dentro de homens
e mulheres
de aparências tão diferentes,
uma humanidade só:
- o mesmo anseio, a mesma fome,
o mesmo sonho, o mesmo pó;
o mesmo sangue vermelho,
da côr da vida, da côr
do amor, e mais:
o mesmo leite branco,
da côr da paz.
(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro – Mensagem – 1966

Minha biblioteca

Pátria e lar do pensamento,
porto do coração.
Minha loja de sonhos, mercado de emoções
onde faço pelas madrugadas a minha "feira"
para reabastecer meu espírito de realidades e ficções
e sobreviver.
Aí estão as prateleiras sortidas, estoques inesgotáveis
de fantasias a experiências
para a minha fome de conhecimentos, minha sede
de descobertas,
minhas ânsias de beleza.
É só estender a mão e colher o livro
como um fruto maduro que lentamente degusto
e, milagrosamente,
permanece inteiro, íntegro, intacto
entre folhas e flores
e surpreendentemente se renova e multiplica
em inusitados sabores.
Minha biblioteca
parque de papel e palavras
onde me perco em andanças e onde me reencontro
em tantos caminhos desconhecidos,
bosque de tantos livros, como as árvores
com quem Beethoven conversava
em seu bosque de Bonn.
Meus livros, companheiros pacientes e silenciosos
com quem dialogo horas sem conta,
que não discutem, não alteiam a voz
em tantas discordâncias inevitáveis,
e humildemente se fecham e se recolhem
a um simples gesto meu de impaciência, cansaço
ou de sono.
Minha biblioteca,
abrigo certo
oásis de águas e sombras
no imenso deserto,
que me faz decolar de tantas realidades
e planar como uma asa-delta
sozinho, sobre paisagens insuspeitadas.
Minha biblioteca,
pousada no caminho
onde me sento, a pensar,
e onde chego a esquecer que há um mundo
rosnando ameaças ao redor,
e adormeço como um menino feliz..

(Poema de JG de Araujo Jorge
do livro "Tempo Será" – 1986 )

Homenagem a Miguel Torga no aninversário de sua "Viagem" para o mundo encantado (17/01)

Miguel Torga (12/08/1907 – 17/01/1995) Pub. em 22/01/2012

Autor português, poeta, teatrólogo, romancista e contista. Fez parte da revista Presença, se desligando em 1930, quando assume também o seu pseudônimo (Miguel Torga). Seu nome de registro é Adolfo Correia da Rocha, médico otorrinolaringologista. Torga nasceu e viveu grande parte de sua infância na zona rural, era natural, de São Martinho de Anta, Vila Real onde nasceu em 12.8.1907. Essa vivência deu a sua obra características telúricas. Ao deixar Presença ele envereda para uma literatura de cunho humanista que já traz indícios do que se veria no Neo-Realismo, inaugurado em 1940 por Alves Redol. Torga tem uma sensibilidade poética singular e sua prosa é temperada com um lirismo que encanta o leitor. A esta intensa consciência individual aliou-se uma profunda afirmação da sua pertença à natureza humana e a relação desta com a natureza externa como se pode ver no livro Bichos, em que bichos, homens e terra se fundem numa contemplação da vida e da morte, encurtando o espaço que existe entre elas.

VIAGEM ( Miguel Torga)

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta mensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

O ninho (Miguel Torga)

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...


Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada



CEGA REGA (conto do livro Bichos)

É difícil. Isto de começar num monturo e só parar na crista dum castanheiro tem que se lhe diga. É preciso percorrer um longo caminho. Embrião, larva, crisálida... Todas as estações do íngreme calvário da organização. Animada pelo sopro da vida, a matéria necessita do calor de um ventre.

Antes dessa íntima comunhão, desse limbo purificador, não poderá ter forma definitiva. Custa. Mas a lei natural é inexorável. Exige consciência de cosmos antes da consciência de ser. O calor dá no ovo. Aquece-o e amadurece-o. A casca quebra. Depois... Ah, depois é essa descida ao húmus, essa existência amorfa, nem germe, nem bicho, nem coisa configurada. Largos dias assim. Até que finalmente em cada esperança de perna nasce uma perna, e cada ância de claridade é premiada com dois olhos iluminados. Cresce também uma boca onde a fome a reclama, e surge as asas que o sonho deseja...

É difícil, mas vai. Desde que haja coragem dentro de nós, tudo se consegue. Até fazer parte do coro universal.
-Já hoje ouvi a cigarra...
-É o tempo dela.
Nenhuma palavra de apreço pela dureza do caminho andado. Paciência. O teatro do mundo tem palco e bastidores. As palmas da plateia festejam somente os dramas encenados. Que remédio, pois, senão a gente resignar-se e aceitar as sínteses levianas. Nascia do tempo. Muito bem, ninguém mais ficaria a conhecer a fundura dos abismos em que se debatera. Protoplasma, lagarta, ninfa... Quase que sentia ainda no corpo as fases da transfiguração. Mas pronto, chegara! Agora era receber o calor do presente, e cantar. Cantar o milagre da anodina e conseguida ascensão.
E cantava.
A Primavera estava no fim, e o Estio ia começar. As cerejas pontuavam a veiga de sorrisos vermelhos. As searas, gradas de generosidade, aloiravam. Contentes, os ramos relaxavam de vez os músculos crispados, já esquecidos das ventanias do inverno. Havia penugens de esperança em cada ninho. Mas não era a doçura das seivas, a paz vegetal ou animal que saudava. Vencera todos os obstáculos dum árido caminho, sem a ajuda de ninguém. No fim do esforço, nem sequer essa vitória via reconhecida. Por isso, nada devia aos outros, e nada lhes daria, a não ser a beleza daquele hino gratuito.
Ainda no rés-do-chão das metamorfoses, apetecera-lhe contemplar dum alto miradoiro o berço nativo. E começou a subir, a subir, a subir sempre.
Depois, serenamente, olhou.
Nesse momento, porém, um raio quente de sol caiu-lhe amorosamente sobre o dorso. Contraiu-se de volúpia. E, da plenitude que a empolgou, ergue-se a voz de triunfo. Não era a vontade que a fazia vibrar. Era o corpo, possesso de contentamento, que, num espasmo total, estridentemente glorificava a própria perfeição atingida.
-Até azomboa a gente!
O senhor camponês, a reclamar. Suado e soturno, a trabalhar de manhã à noite, queria silêncio à volta. Tapasse os ouvidos! Nenhuma força humana ou desumana a faria calar. Com que razão? Porquê?
Porque a fome era triste, os dias passavam velozes, e urgia ajudar a natureza a ser pródiga? Imaginem!
Pois que aproveitasse as horas, os minutos e os segundos, num anseio insaciável de fartura. Ela continuaria ali, preguiçosa, imprevidente, num desafio sonoro à sensatez.
-Muita alegria tem tal bicho!
-A alegria passa-lhe... É deixar vir o inverno...
A pressurosa formiga! A coitada! Como se trabalhar fosse um destino!
-E temo-lo aí, não tarda muito.
Evidentemente. Mas que lhe importava? A escolha estava feita. Que folhas do calendário, como as das árvores, fossem caindo, e que os ceifeiros lançassem as gadanhas ao trigo maduro, numa condenação de galerianos. Que nas tulhas se acumulassem toneladas de grão. Ao lado dos celeiros atestados, ficaria um celeiro vazio. Um símbolo de inquebrantável confiança.
-Mas em quê?- perguntava um pardal suspicaz.
Outro que não compreendia. Outro que só concebia a existência a saltar de migalha em migalha.
-Chega-lhe, Cega-Rega!
O Poeta! Louvado seja Deus! Até que enfim lhe aparecia um irmão!... Um irmão que sabia também que cantar era acreditar na vida e vencer a morte.
A morte que a espreitava já, com os olhos frios do Outono

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Noventa anos da Semana de Arte Moderna no Brasil

Há 90 anos, em 11 de fevereiro de  1922 começava a Semana de Arte Moderna no Brasil. Em um clima de rebeldia e muita inspiração os poetas brasileiros expressam as novas formas de fazer literatura, dando início as três fases do Modernismo Brasileiro. Foi um evento ocorrido no Teatro Municipal de São Paulo, o qual contou com inúmeros eventos, como apresentação de conferências, leitura de poemas, dança e música e vários grandes nomes da literatura brasileiras, tais como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Graça Aranha, Guilherme de Almeida e muitos outros. A semana de arte foi apenas o passo oficial, na verdade os indícios dessa nova literatura já se fazem presente nos textos dos  Pré-Modernistas e vêm se renovando até os dias de hoje.

Pronominais (Oswald de Andrade)
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Arte de Amar (Manuel Bandeira)

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Poema de sete faces ( Carlos Drummond Andrade)


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
 
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
 
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
 
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
 
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
 
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
 
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Canção  (Cecília Meireles)

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
 
  

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Que cidade merece ser sucumbida pelo lixo???????????

                      Para ver melhor é só clicar na imagem 
                                                 
Essa é a imagem do desespero, do medo, do terror e da injustiça. Uma cidade e sua história podem ser sucumbidas pelo lixo coletivo. É irônico, mas lembramos aqui o Padre Antonio Vieira em O Sermão de Santo Antônio aos Peixes quando diz que "É preciso muitos pequenos para alimentar um grande". Pois é, o CAPITALISMO venceu mais uma vez! O povo da cidade de Puxinanã terá sua história manchada e SUJA pelo lixo coletivo de Campina Grande que será, simplesmente jogado na cidade, como mostram os dados na figura ao lado. Esse fato revela um escuso acordo entre os respectivos prefeitos e muuuuito provavelmente as grandes construtoras que estão investindo em Campina Grande, especialmente as que têm planejamentos para ocupar os espaços próximos ao antigo lixão. Especula-se que além de condomínios de luxo também será construído um shopping próximo ao espaço antes ocupado pelo lixo. Dessa forma, teriam que dar um destino ao lixo e, como é de praxe, chegaram a conclusão da vulnerabilidade da cidade de Puxinanã por ser geograficamente afastada da BR e assim poderia esconder a "sujeira" e depois por ser, a cidade, um lugar pouco desenvolvido, ou seja, trata-se de um lugar que não interessa, pelo menos por enquanto, à especulação capitalista de espaços imobiliários. Mesmo assim, com a beleza natural que a cidade possui, os lajedos, açudes, lagoas e o famoso "tanque preto" poderiam investir no Turismo, mas o poder público, que comandou o município durante muitos anos só se preocupou com o próprio bolso. Então nos vem a pergunta: Porque os prefeitos das citadas cidades não fizeram um acordo para levar uma indústria ou algo que possibilitasse mais empregos ao povo puxinanaense, para que pudesse elevar a renda dos habitantes da cidade? A resposta é muito simples: é mais fácil matar um moribundo do que gastar reais para que recupere a saúde.

Diante disso não podemos nos furtar à indignação pela injustiça com que está sendo tratada a cidade de Puxinanã, é como apagar um povo e sua cultura. Mas isso não é novidade no Brasil, é só olhar as histórias das construções das grandes hidrelétricas, a exemplo das construídas nos arredores da cidade de Paulo Afonso-BA, e podemos observar povos que perderam sua história, sua cultura e sua identidade que foram afogadas pelas águas das barragens das hidrelétricas. Assim, é sempre o sacrifício de muitos, sobretudo dos mais pobres, em benefício de poucos (os ricos)!!!

Maria do Socorro P. de Almeida

O poema abaixo foi publicado em 2004 no livro "Mundo, linguagem e literatura ao gosto popular", de minha autoria. Hoje não posso deixar de me indgnar com a usurpação do meu lugar de memória. Sou filha de Campina Grande, mas meus avós eram de Puxinanã e esse é o meu lugar de memória, de infância, de sonhos ... Acho que o problema do lixão deveria ser resolvido, mas não dessa forma, pois  não posso, para limpar o meu quintal, jogar o lixo no quintal do vizinho e é isso que está acontecendo. Portanto, peço, em nome dos nossos antepassados e dos atuais habitantes da cidade, que as autoridades repensem sobre essa atitude de pessoas que serão beneficiadas com isso, não é difícil de imaginar quem são elas quando observamos as vantagens políticas e financeiras que estão em jogo.

Puxinanã, outra Canção do Exílio


Minha terra tem fruteiras!
E o progresso não importa
Som de casa de farinha...
Hummm! de cuscuz de mandioca.
As aves que lá gorjeiam
Comem milho não, pipoca.
Dela, lembro tarde e manhã...
Por isso eu hei de voltar
ao lugar Puxinanã.


Minha terra tem jaqueira,
Manga, pitomba e cipó
também tem as palmeiras
onde canta o curió.
Tem açude, tem lagoa
Que a seca torna pó.
Mesmo sem curimatã
Ainda hei de voltar
ao lugar Puxinanã.


Minha terra é bonita
Andorinha... arribação...
Vê-se até o sabiá
A cantar pela manhã
Crianças brincam de roda

sem medo do amanhã.
Não permita Deus que eu morra
sem mais ver Puxinanã!

Ao cismar, sozinho à noite
Pouco prazer encontro eu cá
Não permita Deus que eu morra
sem que volte para lá.
Soltar pião, papagaio...
Sem ver o tempo passar.
Ouvir o apito do trem
Quando um amigo chegar.
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá!

Minha terra tem vizinhos
Com mútua consideração,
tem a missa de domingo
E o povo em comunhão.
Tem calçada e muita prosa
pra depois da refeição.
Cajueiro... bananeira...
Tem até pé de romã,
Não permita Deus que eu morra
Sem mais ver Puxinanã!